S.P., 18/02/2021
Seria uma pessoa pública ser recriminada por alguma atitude que o cancelador julga errada, postando sua crítica na internet ao cancelado. E com isso, se existem mais seguidores que concordam com o julgamento, o cancelado perde sua admiração e seguidores. Isso pode ocorrer, por exemplo, com uma empresa comercial, se não oferecer produtos prometidos. Tudo no macro, mas no micro, também pode ocorrer em um grupo de amigos, de trabalho, de escola, etc, onde a maioria concorda com a visão do cancelador ao cancelado.
Um dos problemas desse comportamento, é o risco de haver um julgamento precipitado e não verdadeiro, e ser lançada a discórdia e o estrago estará sendo feito. Um erro de crítica, prejudica e muito, ao cancelado, que para provar seus acertos, ele(a) pode ter dificuldade.
Outro problema, seria a atitude do cancelado ser considerada correta para alguns e incorreta para outros. As pessoas são diferentes e enxergam sob prismas diversos. Então para um grupo pode ser aceito, enquanto para o outro não. E quem está certo? Qual avaliação é válida?
As pessoas cometem erros. O ponto é: somos donos da verdade? Será que os valores do julgador estão adequados?
E se estiver, o grupo de julgadores têm o direito de criticar? Estes nunca erraram? Daí diriam: “nunca erramos desta maneira!”.
Existe aquele cancelamento também, que é sobre algo que o cancelador não gosta, que fala sobre seus preconceitos, como por exemplo, discriminar alguém pelo jeito de vestir, de ser, de falar, pela sua condição social e outras.
Percebemos reiteradamente em sociedade, pessoas que recriminam homossexuais, indígenas, e muitos outros.
O cancelamento é parecido com um linxamento. E será que a humanidade ainda é primitiva a ponto de reproduzir atos hediondos, como por exemplo, apedrejar um assassino? Não estaríamos sendo assassinos igualmente?
E respondo, sim, a humanidade ainda tem resquícios primitivos. Há notícia recente de uma mulher morta por um grupo, na cidade do Guarujá – SP, pois foi confundida com uma sequestradora de crianças, devido a uma notícia falsa que circulou nas redes sociais.
Aqui chamo a atenção para o fato de que o cancelamento, influencia um grupo a avaliar e acreditar na sua teoria, insuflando a crítica, e muitos seguirão essa ideia sem terem provas ou lucidez nessa avaliação. É um comportamento de grupo comum, ocorrendo uma fácil e rápida contaminação de ideias.
É um alerta, para em grupo, não se deixar levar, mas agir sobre as próprias análises e averiguações. Você acredita em tudo que ouve sobre alguém?
A questão é: qual é a melhor forma de punir alguém? Somos sábios e superiores aos demais?
Por outro lado, o cancelamento reforça a ideia que valores e condutas morais e éticas precisam prevalecer. Pois existem sim, aqueles que se comportam com extrema inadequação e a sociedade não deveria aceitar, como por exemplo, os corruptos, os violentos, criminosos, assediadores e muitos outros.
Mas para isso a justiça oficial deve agir, e esperamos que ela seja eficiente, digna e justa, e cerceie os inadequados.
Um outro ponto, é pensarmos se o cancelado também não deveria cancelar o cancelador. O ato de cancelar é uma atitude certa ou errada? Ainda mais se este assume uma atitude de humilhação, exclusão, por vezes levando sofrimento ao cancelado. Portanto, se errar, precisaria ser canacelado!
Penso que o ser humano tem dificuldades de enxergar seus próprios erros e defeitos, e quando percebe alguém errando, há uma catarse emocional que alivia, permanecendo na ilusão que só acerta.
É aquela crença de que o culpado sempre é o outro, eu faço e ajo só no bem. Eu sou legal, é o outro que é o problema.
Então o risco dessa cultura do cancelamento é, os indivíduos ficarem presos em suas ilusões pessoais do quanto eu sou bacaninha. Pois muita gente não cogita, não enxerga e nem quer ter consciência sobre suas fraquezas.
Os efeitos dessa cultura…
A prática do “cancelamento” pode acarretar sintomas equivalentes à depressão, ansiedade, pânico, como por exemplo transtornos psicossomáticos (dor de cabeça, dor de estômago entre outros), alteração no sono, irritabilidade, insegurança, medo, pensamentos destrutivos, auto estima inadequada, desinteresse por atividades antes sentidas como agradáveis, sentimentos de desvalia e inadequação, sentimentos de rejeição e crises de choro. Podendo de fato levar a crises de ansiedade, pânico, e depressão.
O ato do cancelamento é uma prática abusiva, violenta e de subjugação, e pode ser equiparado ao bullying e ao assédio moral, termos também abordados por advogados e juízes.
Essa sequência de humilhações e abusos podem gerar traumas psicológicos por um período longo, ou permanente na vida do cancelado.
Essa prática pode ser uma via de mão dupla, onde o cancelador poderá sofrer cancelamento. E isso nos leva à reflexão sobre se é válido e digno em sociedade, e qual a utilidade em executá-lo?
Seria um ato para se despejar todas as infelicidades, decepções, frustrações, hostilidade, revoltas, de algum trauma emocional vivido pelo indivíduo. Portanto fechando o ciclo, e o pior, recomeçando.
Acredito que todos possam equivocadamente ter praticado cancelamento na vida offline e digital. Somos imperfeitos, com defeitos, mas também com qualidades. E por isso podemos praticar o nosso melhor lado.
O cancelamento gera sofrimento humano e desordem social.
Portanto, qualquer tipo de violência contra o bem estar e a saúde de qualquer indivíduo, é impensável e vai contra tudo o que já nos desenvolvemos como ser humano.